Por que tantos brasileiros assistem o Big Brother?

Cristiano Alves
5 min readMay 6, 2021

No Brasil, todo ano, famílias inteiras sentam-se em frente à TV para assistir um dos produtos mais escatológicos da sociedade do espetáculo no Brasil, usando a expressão cunhada por Guy Debórd, um programa chamado “Big Brother”, que no Brasil conseguiu uma façanha que não foi conseguida em nenhum outro lugar do mundo, ter 21 edições! E não adianta dizer que “se você não gosta é só não assistir”, pois você sempre vai ouvir falar dele em conversas no transporte, e por mais (como o autor desse texto) não assista TV, vai vê-lo na sua linha do tempo ou em alguma rede social, por vezes seguido de debates acalorados comparáveis aos de uma eleição presidencial.

Certa vez, numa entrevista em Moscou, uma repórter russa perguntou a um brasileiro se ele sentia saudades do Brasil, ao que ele negou. Um dos pilares do seu argumento estava no abismo espiritual do brasileiro, que segundo o entrevistado, em média, só demonstrava interesse em duas coisas, futebol e Big Brother, “reality show”, completou a jornalista da RIA FAN, sem saber exatamente o que era o tal Big Brother.

Escritores e blogueiros brasileiros já dedicaram várias produções explicitando o nível de degradação desse programa, considerado um “sucesso” por causa de sua lamentável audiência, Luís Fernando Veríssimo, por exemplo, chamou o programa de “A vergonha da TV brasileira”. Mas o que é esse programa?

A ideia surgiu nos Países Baixos, tomada do romance orweliano “1984”, escrita nos anos 40. A obra é uma antiutopia que trata de um mundo no qual triunfou o totalitarismo, ideologia marcada pelo controle total da sociedade pelo “Grande Irmão”, “Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força”, uma das citações mais famosas do livro.

O Big Brother Brasil reflete a antiutopia totalitária em que vivemos, na qual triunfou não o “totalitarismo de Estado”, mas o totalitarismo liberal, das grandes corporações transnacionais. Nessa sociedade, nos parâmetros de Orwell, a “ignorância é força”.

Que valores transmite o BBB? Ele já foi descrito por psicólogos e críticos de TV como um programa que dissemina a propaganda da vulgaridade e da baixaria, propagandeia o alcoolismo, a idiotia e o imbecilismo, conceitos presentes na psicologia.

Em qualquer país a mídia e a TV são instrumentos de controle das massas. Ao observarmos qualquer sociedade, perceberemos que 5% dela é composta de pessoas ordeiras, 5% por pessoas desordeiras e os demais 90% são, como se diz, o “homem médio”. O que acontece em uma sociedade se os 5% mais ordeiros, pessoas com elevados padrões morais, intelectuais e disciplinares são mostrados diariamente como exemplos a serem seguidos? Os 90% restantes tomariam essas pessoas por um modelo, um exemplo de comportamento, e, pela teoria da imitação, de Vygotskiy, essas pessoas passariam a espelhar, consciente ou inconscientemente, essas pessoas exemplares. O poder de controle de massas do BBB é tão grande que o programa já lançou até deputados federais, representantes do poder legislativo.

Mas o que aconteceria se o inverso acontecesse, isto é, se os 5% mais desordeiros fossem exibidos segundo à filosofia de que “essas pessoas existem na sociedade e precisam ser mostradas”? As consequências seriam trágicas para a sociedade, pois ela iria mais e mais para baixo. Aristóteles escreveu certa vez que o soberano de um povo, enquanto “homem número 1”, deveria eivar-se de determinadas condutas morais reprováveis, pois isso levaria à degradação daquele povo. Aristóteles escreveu isso quando “Estados” resumiam-se a cidades na Grécia, e a população mundial era muito menor, seus líderes eram conhecidos pelo povo por histórias. Em nossos dias, a televisão e a mídia de massa cria “heróis”, aliás, é disso que os participantes do Big Brother são chamados o tempo inteiro pela propaganda da Rede Globo e por seus apresentadores. Por parte de tais “heróis” vemos um comportamento promíscuo em rede nacional, inclusive assistido por seus parentes e amigos, brigas, verbais e físicas, são comuns, inclusive dentre homens e mulheres pelos motivos mais banais, por exemplo, por uma maquiagem.

O Big Brother é uma “ilha de tolos”, cuja grande lição é a de que não é preciso estudar, trabalhar, produzir conteúdo cultural para crescer na vida, bastando cair em um reality show. A isso soma-se todo um marchandising de grandes corporações nas quais alguém pode até ganhar um automóvel ao se humilhar a ponto de aparecer nas câmeras sujando as calças… literalmente!

Como em qualquer “reality show” o processo de “casting” desfavorece pessoas com princípios morais e éticos, pois segundo os produtores este tipo de pessoa “não dá audiência”, em vez disso os favoritos são sempre indivíduos histéricos, amorais, extremamente vaidosos, superficiais e sem princípios, no melhor dos casos, tipos ingênuos. O próprio Pedro Bial referiu-se certa vez ao programa como um “zoológico”, e é exatamente isso que percebemos a partir de diversas capturas de momentos desse programa, um “zoológico humano” que faria macacos parecerem animais civilizados. O programa em si não possui um logos, trazendo apenas o caos.

Big Brother não traz nem cultura, nem informações ou conhecimentos intelectuais para seus espectadores e muito menos para seus participantes, ele não traz nenhum estímulo ao esporte, a uma vida ordeira, à música, arte ou repassa valores de teor moral, referentes ao labor ou à ética. Em alguns países com alto índice de leitura, dizer que assiste a reality shows no estilo “Big Brother” é como dizer que você sujou as calças com o indesejado. Nesses países, pessoas que assistem a tais programas normalmente tentam esconder que o fazem.

Estima-se que cada “paredão” do BBB renda o lucro de oito milhões e setecentos mil reais. Repetindo, oito milhões de reais! Já pensou no que pode ser feito com esse capital? Cada paredão do BBB rende o suficiente para construir um museu nas principais cidades brasileiras, somente uma edição do BBB seria suficiente para um museu em cada capital. 8 milhões de reais é o bastante para comprar a obra impressionista “Jeune Femme a L’Ombrelle” (Uma garota com um guarda-sol), que poderia ser acrescentado ao acervo de um grande museu. Cinco paredões do BBB seriam suficientes para equipar a FAB com um caça supersônico SAAB Grippen NG. Dois paredões seriam o suficiente para reflorestar cerca de 7 hectares de terra da Amazônia. Já imaginaram esse valor empregado em programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino ou saúde?

Quem assiste ao Big Brother, justificando tal prática como “humor”, “diversão”, se degrada tal como os seus participantes. As informações de tal programa acabam influenciando em nossa conduta.

Há muitas outras formas de diversão genuína e útil, como por exemplo aprender poemas de Drummond, ler autores como Castañeda, e se alguém deseja ver “a miséria humana para entender o homem pro que a vida não é feita só de flores”, há grandes obras como as de Dostoyevskiy ou Maxim Gorkiy. Há formas de entretimento como rezar, meditar, estudar filosofia, aprender uma dança nova, uma arte marcial… E se alguém é tão obcecado por comportamentos animalescos e primitivos, não se preocupe, sempre haverá um “Animal Planet” à sua disposição.

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