La resa dei conti

Cristiano Alves
4 min readJun 3, 2020

Cristiano Alves

O dia da desforra (noutras traduções “O dia da vingança”) é um dos clássicos do faroeste italiano dirigido pelo então obscuro diretor Sergio Sollima que estreia Lee Van Cleef e Thomas Milian, filmado em 1966. O faroeste italiano (Spaghetti Western) é um gênero de filmes que salvou o gênero “Velho oeste” do cinema americano e consagrou-o no mundo do cinema, tornando-se bastante popular nos anos 60. Esse gênero surpreende pela maestria do diretor, que recria em solo europeu um cenário e personagens alusivos ao século XIX na América que se mostraram capazes de convencer e cativar o público deste país.

Seguindo uma linha diferente de Sergio Leone, consagrado na Itália e no mundo pela sua Trilogia do dólar, que consagrou um ex-limpador de piscinas no cinema mundial, Clint Eastwood, o diretor Sergio Sollima ousou não apenas nos elementos cômicos, dando uma leveza maior ao filme, como também partiu para aspirações políticas mais ambiciosas, ao contrário de seu chará. O dia da desforra trata da noção de justiça, sobre como um homem cego pelo seu ego deixa a sua caverna para fazer a verdadeira justiça.

Jonathan Colbert (Lee Van Cleef) é um caçador de recompensas do Velho Oeste americano, ele legalmente captura ou mata homens procurados pela justiça dos Estados Unidos. Sua fama de hábil pistoleiro corre a América e desperta o interesse de Brokston, um ambicioso senador ianque interessado em transformá-lo em mais um político para a sua bancada favorável à construção de uma ferrovia até o México, para ele o progresso não conhece ética e nem limites, ainda mais quando se trata de um negócio milionário. Em plena cerimônia de casamento da filha de Brokston, o senador é informado sobre um crime bárbaro ocorrido na América, um mexicano conhecido como “Cuchillo” teria estuprado e matado uma garota de 12 anos e estaria tentando fugir para o México. Não é preciso dizer que o justiceiro Colbert recebe a missão de caçá-lo. A gravidade do crime gerou um furor e comoção geral, algo parecido com certas “notícias” de What’s app, e aqui Colbert tinha a possibilidade legal de acabar com o celerado.

Movido pelo ímpeto justiceiro, Colbert persegue Cuchillo, famoso por ser um exímio atirador de facas astuto ladino que tem sempre em mente um genial plano de fuga. Convencido da culpabilidade de Cuchillo, Colbert persegue-o por todas as partes, mas fica espantado ao perceber que a gente comum não compartilha de seu furor pelo suposto estuprador. Nem mesmo os mórmons se mostram assustados para com Cuchillo, e não demonstram surpresa quando sabem que ele havia ido tomar banho com uma garota da comunidade em um riacho muito mais jovem do que ele. Ao tentar capturá-lo, pensando estar ajudando a garota, Colbert fica impressionado quando a garota defende o mexicano, e mais do que isso, chega a atirar em Colbert, que sobrevive e não captura Cuchillo. Nesse momento vemos o humor ácido de Sollima, quando Colbert diz que a filha do pastor está a salvo este se ri e diz que não é a filha, mas a quarta esposa dele, numa crítica nítida ao machismo e à poligamia daquela comunidade. Lembremos que a Itália é um país fortemente católico.

Colbert chega a partir para o México atrás de Cuchillo, porém, diante do envolvimento pessoal do senador magnata na caçada humana, o herói da história sai de sua caverna e entende que a história tinha uma outra versão que surpreenderá o espectador na hora de sua revelação, e então, deus ex machina. versão.

“La resa dei conti” traz tomadas que focam no olhar de cada cowboy duelista somada à épica música do maestro Ennio Morricone, neste gênero o cavaleiro andante europeu é substituído pelo cowboy e os seus projeteis de grosso calibre substituem a lança do torneio de justa medieval, num mundo no qual a lei é feita pelo poder e alcance de uma pistola. O estilo inovador é frequentemente elogiado por diretores dos nossos dias como Quentin Tarantino, que não vê problemas em copiar sua trilha sonora para seus filmes.

Ao contrário do herói da épica Trilogia do dólar de Sergio Leone, o herói de Sergio Sollima possui um rígido código de ética e mesmo aspirações políticas. Ele filma os duelos da mesma forma que, intercalando planos fechados dos rostos dos pistoleiros com planos gerais em câmera baixa e profundidade de foco, quase sempre enquadrando um detalhe em primeiro plano (seja a mão na arma ou a bota). Numa época em que grandes filmes facilmente passavam duas horas de duração, Sollima deixa seu filme mais dinâmico e menor, e em parte o humor contribui para isso.

O filme não é perfeito, seus heróis abusam de um narcótico mortal, o tabaco, como na maioria dos filme do gênero, não há qualquer cena sexual no filme e sua moral nos ensina que as aparências, assim como as emoções, enganam, e jamais devemos fazer conclusões baseadas no impulso emotivo. Sua trilha sonora é talvez a que melhor se adequa ao filme: “em algum lugar há uma terra em que os homens não matam uns aos outros, em algum lugar há uma terra na qual os homens se chamam de irmãos, em algum lugar os homens vivem sem medo, se você continuar correndo, você será livre”.

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